terça-feira, 31 de março de 2015

Resenha Crítica: Ensaio Sobre a Cegueira

Capa: Ensaio Sobre a Cegueira
     Se ainda não se inseriu no universo "Saramaguiano”, Ensaio Sobre a Cegueira será um belo portal para que conheça o quão excelente e excêntrico esse autor é. Se sua iniciação já foi feita em outros livros, nesse verás como o escritor português pode ser voraz, violento, brutal e ao mesmo tempo sutil.

     O pânico seria algo mais apropriado para descrever a sensação de cair num infinito mar de brancura de um instante para o outro. Talvez seja isso que transborda no livro de Saramago, onde uma epidemia de “cegueira branca” começa a assolar toda uma população. Algo sem precedentes, que começa com um homem dentro de um carro, parado num semáforo, onde num segundo observa a luz vermelha, e no outro, está imerso no mais puro branco. A partir desse momento pessoas começam a cegar em diversos lugares e a qualquer hora. Com a “doença” se espalhando cada vez mais rápido, o Estado acha necessário a sua intervenção, colocando todos aqueles que já cegaram em quarentena dentro de um manicômio abandonado. Separados em outro setor estão todos aqueles que ainda conseguem ver, mas que tiveram contato com quem já cegou. Acreditam que em breve essas pessoas também irão cegar e preferem se precaver.

     A realidade para os confinados se mostra dura: encontram um grau de dificuldade enorme para realizar atividades que antes da cegueira eram fáceis e a falta total, tanto de apoio quanto de estrutura, faz com que as coisas se tornem praticamente insuportáveis. O Governo, por sua vez, acredita que mantendo todos os contagiados e aqueles que tiveram contatos com eles em quarentena, irão conseguir neutralizar o “mal branco”. Mas não é bem assim que as coisas acontecem. Enquanto todos ali se conheciam a ordem ainda reinava, mesmo que em alguns momentos um pouco conturbada. Mas após a chegada de uma leva gigante de cegos vindos de todos os lugares, o caos se instaura e, depois de um tempo, as coisas começam a fugir do controle.

     Saramago consegue de maneira fantástica mostrar o quão baixo um ser humano consegue chegar para conseguir comida, e também como toda a moralidade, ética e conceitos de civilidade de nada valem na luta pela sobrevivência num ambiente hostil. Deixa de forma bem clara como o poder pode corromper o homem, qual a sua verdadeira essência quando se depara com algo que vá completamente contra seus princípios e como isso atinge toda e qualquer pessoa, independentemente de quem seja e pelo o que esteja passando.

     Transparece todo o horror que uma pessoa que enxerga passa numa sociedade tomada por pessoas cegas: de nada valem olhos, se uma maioria esmagadora for cega. Enxergar num mundo de cegos não lhe traz poder, só vai conseguir ver a situação degradante que os cegos se encontram quando lhe és tirado quase tudo e somente o que resta é o instinto.

      “Este é um livro francamente terrível com o qual eu quero que o leitor sofra tanto como eu sofri ao escrevê-lo. Nele se descreve uma longa tortura. É um livro brutal e violento e é simultaneamente uma das experiências mais dolorosas da minha vida. São 300 páginas de constante aflição. Através da escrita, tentei dizer que não somos bons e que é preciso que tenhamos coragem para reconhecer isso." José Saramago.

-Maiki-